Com Y: The Last Man, a Disney+ coloca a questão: e se os mamíferos do planeta com cromossoma Y morressem todos ao mesmo tempo?
A pergunta é, contudo, apenas o ponto de partida para a adaptação para televisão da banda desenhada homónima, estreada há pouco mais de uma semana lá fora, que chegou ontem (na secção Star) ao catálogo e que, à semelhança de outras séries e filmes disponíveis na plataforma, representa o esforço bem sucedido que o serviço tem feito para oferecer aos seus subscritores conteúdos que podem (ou devem) ser vistos depois dos miúdos irem para a cama.
Originalmente pensada e executada pelas mãos de Pia Guerra e de Brian K. Vaughan (um dos escritores e produtores de Lost), Y: The Last Man explora a resposta à pergunta que coloca dando centralidade à história de Yorick (tanto quanto se sabe, o último homem na Terra) e ainda que, a julgar pelo primeiro episódio, também esta nova iteração da história nos apresente um Yorick (interpretado com graça e leveza pelo relativamente desconhecido Ben Schnetzer), talvez uma das suas maiores forças seja o foco nas mulheres que o rodeiam: nas fortes, nas fracas, nas ponderadas, nas impulsivas, nas felizes e nas desesperadas. Desiludam-se os que já estavam a esfregar as mãos de contentes, prontos para criticar esta série pelo seu feminismo panfletário ou pela sua radical deriva política, porque embora ela não peça licença para ter pontualmente um ponto de vista e uma voz, o retrato que nos oferece do mundo feminino é diverso e, acima de tudo, reflete a complexidade da realidade, como ela é.
Visualmente, é uma série que sabe o que fazer com os recursos que tem disponíveis e, tirando um ou outro momento desenhado para ficar gravado na retina do espectador, não é mais do que competente. Que diferença é que isso faz? Nenhuma, porque esta série não foi feita para agarrar o espectador pelos olhos: foi feita para agarrá-lo pelo cérebro. E aí, onde quer e tem realmente que ser forte, não fraqueja, porque mais do que nos apresentar de fugida e estabelecer algumas das dinâmicas entre as mulheres que vão carregar a história, mostra-nos (com a profundidade que um episódio-piloto pode atingir) o lugar emocional de onde partem e as suas hesitações e ansiedades, quer seja para no futuro as extremar ou para as contrariar, e consegue-o graças à escrita de qualidade e à interpretação cativante das mulheres do elenco, dentro do qual se destacam a Diane Lane (a congressista) e a Jess Salgueiro (a assistente), que agarram os seus personagens como se tivessem nascido para os interpretar.
Sobre o que pode vir a ser a mitologia desta história e deste mundo, este primeiro episódio deixa tudo em aberto. Porque morreram os homens (quase) todos? Porque não morreu um deles? Porque foram as mulheres poupadas? Nada disto parece vir a ter uma resposta definitiva em breve, mas tendo em conta o panorama televisivo atual, é ou não refrescante seguirmos uma série que nos convida a regressarmos a ela, semana após semana, para assistir ao desenrolar empolgante e envolvente de uma história centrada em pessoas reais e interessantes a lidarem com um evento disruptivo e misterioso?
Se o leitor está em busca de uma série rápida, pré-mastigada e pronta a consumir, com respostas imediatas e que não o faça pensar e sentir grande coisa, vá ver Friends de uma ponta à outra pela oitava vez. Se está disposto a ser desafiado por uma ideia curiosa e bem executada, dê uma chance a isto.
Sejam homens, mulheres ou nenhum dos dois, há espectadores de todos os tipos. Y: The Last Man está já disponível no Disney+ à espera dos mais destemidos e exigentes.
Pedro Pimentel de Sousa dos Agentes do D.R.A.M.A..